segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Contrato

Um jovem chamado XXNXXX estava desesperado e angustiado devido a sua condição de desempregado. Ele levava seus currículos todos os dias para diversas empresas e agências de emprego desta grande cidade de São Paulo.
Suas manhãs e tardes resumiam-se a subir e descer ruas entregando aqueles currículos, que depois, eventualmente iriam para o lixo, ou serviriam de rascunho, pois estamos em tempo de crise e está muito caro gastar papel hoje em dia. Portanto, nada melhor do que currículos para serem utilizados como rascunho.
Certo dia XXNXXX recebera um telefonema em sua casa.
-Alô!
-Bom dia! Gostaria de falar com XXNXXX referente a uma oportunidade de emprego.
-É ele mesmo quem fala.
-Então XXNXXX, a vaga é para uma empresa chamada MEPHISTO CORPORATION.
-O cargo seria o de Auxiliar Administrativo?
-Isso mesmo, e o salário fica a combinar.
-Correto!
-Mais uma coisa XXNXXX, a empresa tem extrema urgência em contratar, portanto, gostaria de saber se você se disponibiliza a fazer a entrevista hoje à tarde?
-Sem dúvidas e não tenho nenhum compromisso, hoje é um dia perfeito.
-Muito obrigado pela sua atenção XXNXXX e boa sorte para você.
Que momentos de felicidade para aquele jovem, finalmente uma entrevista. Seus sofrimentos agora poderiam acabar. Até que enfim uma grande oportunidade, pois aquela é segundo dizem uma empresa de renome e com muita tradição no mercado.
XXNXXX alegremente tomou banho, colocou sua melhor roupa, engraxou seus sapatos, arrumou cuidadosamente suas coisas, separou o que iria levar para a entrevista e saiu alegremente dando saltos de alegria pela rua. Ah, jovem feliz, e como estava radiante naquele dia e cantava, cantava e cantava...
Ao chegar a empresa conduziram o jovem a uma pequena sala no final de um extenso corredor. Esta sala era iluminada por uma luz fraca e suas cortinas estavam fechadas, um típico ambiente de entrevistas, aconchegante e acolhedora, sem falar no leve cheiro de mofo e enxofre. Aquela era mesmo a sala perfeita, quem não gostaria de fazer uma entrevista naquele local.
Alguns instantes depois um homem de meia idade, de altura mediana e trajando caríssimas vestimentas entra na sala.
-Boa tarde XXNXXX! Sente-se, por favor!
-Boa tarde!
-Então, a vaga em nossa empresa é para trabalhar como Auxiliar Administrativo, conforme conversaram com você por telefone.
-Isso mesmo.
-Vou lhe dizendo desde já que nesta empresa trabalha-se muito, muito mesmo e os salários aqui são baixos, porque estamos em tempos de crise.
-Sim Senhor.
-Terei grande satisfação em contratá-lo, desde que aceite trabalhar igual a um condenado na melhor empresa do país.
-Aceito sem questionar.
-Gostei de ver, você tem determinação e garra para trabalhar aqui, pois conhece plenamente o principal mandamento do mundo corporativo “questionar nunca e concordar sempre”.
Dito isso, o enigmático senhor levantou-se, foi até um armário próximo, tirou de lá uma pasta, abriu-a, retirou uns papéis e colocou-os sobre a mesa.
-XXNXXX este é o seu contrato de trabalho. Devo te dizer que ao assiná-lo você viverá exclusivamente para empresa e nunca mais terá tempo para o lazer, pois em primeiro lugar vem o trabalho e o resto é bobagem.
-Aceito plenamente.
-E como estamos em tempos de crise, devo também lhe informar que seu salário será muito baixo.
-Concordo, pois o importante mesmo é ter um emprego.
-Ótimo, é só assinar onde está marcado.
O enigmático senhor pegou o contrato, olhou-o atentamente, e com seu olhar mefistofélico e um aperto de mão encerrou a entrevista.
Contrato assinado, alma perdida para todo o sempre.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A voz de uma pedra

Sou pedra. Falo feito pedra bruta,
Dura, tão dura igual palavra dura,
Palavra pedra, dura, forte e pura.
Daqui não saio, tem que ter disputa,

E pedra bate sempre bruta, forte,
Impenetrável, grave, tesa e brava,
Massa pesada, voz que é bruta clava,
Som estridente de pavor e morte.

Tenho vontade pétrea impenetrável,
De duros sentimentos, maleável
Nunca, teimosa sempre, sou teimosa

E provarei para vocês agora.
Posso virar estátua que decora,
Mas permaneço toda pedregosa.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Carta ao Rio!!

Prezado Rio


Devo te confessar que naquele momento crucial de provação o medo apoderou-se de mim, com tal ímpeto que fui incapaz de cumprir o trato que fizera com meu pai. Não tinha compreendido o valor de minhas palavras. Explico-me melhor, eu não estava preparado para tomar o lugar dele naquele momento, e numa atitude covarde fugi.

Na verdade não fugi dele, estava fugindo de mim mesmo sem o saber naquele instante, inutilmente é claro, pois não há como escapar do destino. Logo percebi, e o remorso, tal adaga afiada fincada em meu coração, começara a arder profundamente no fundo de minha alma, que começou a sangrar muito. O sangue não estancava e todo meu ser inundava-se de arrependimento e angústia.

O que fazer diante de tal estado? Eu me perguntava diariamente com o propósito de estancar de vez essa ferida que já me debilitava por inteiro, me deixando fraco e lânguido. Aos poucos, o causador desse sofrimento ia me devorando, e ao me olhar no espelho via os traços da destruição.

Ó Rio, o meu corpo está fraco, muito fraco e já não tenho mais forças, só me resta energia para empurrar aquela mesma canoa estreita que meu pai fez e seguir seu curso. Sei que devo ir a seu encontro, e assim o farei, mas sinto que não estou preparado.

Muitos me disseram que não estavam preparados para a viagem derradeira, mas quando chegou o momento não se recusaram a embarcar em suas canoas e esperar seu destino. Para que fugir do inevitável? Não adianta mesmo.

E no final não restava mesmo outra coisa a fazer, e como eles, caminharei em sua direção sem mais questionar, já não me resta alternativa mesmo, e além do mais estou profundamente cansado e não vejo a hora disso tudo acabar. Portanto, pode me esperar que irei a seu encontro sem demora.

Espero que esta seja uma viagem agradável!


O Filho do Homem da canoa

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Quebra cabeça

Não noite
Mais tem
No belo
Tão mundo,
Tão lido
Que cai
A fina
Tão folha,
Não que
Não pena
A seja
Qu’escreva.

A Casa Viva



- Entre!
- Minha nossa, que lugar estranho aqui!
- Não entendi, estranho como?
- Essa sala, por exemplo, é coisa de louco ver essas cadeiras, mesas, abajures e estantes se moverem.
- Porque estranho? Eu dou liberdade a todos aqui. Todos são iguais para mim.
- Eu nunca vi coisas tão estranhas. Aonde já se viu objetos se moverem?
- Você os está vendo agora, estão na sua frente, e porque eles não podem ser livres? Acho que no seu mundo as coisas devem ser muito chatas.
- Não acho, lá quando eu quero assistir à televisão o sofá não fica andando como um doido por aí.
- Viu como são chatas as coisas nesse seu mundo. Televisão sim é uma coisa chata, um aparelhinho quadrado que fica mostrando imagens. Não preciso disso no meu mundo, aqui tudo é verdadeiro.
- Não acho, eu passo o dia inteiro em frente à televisão e me divirto muito.
- Tudo bem então, já que você está dizendo. Minha opinião continua a mesma. Mas vamos mudar de assunto por hora. Quero saber o seu nome primeiro, afinal de contas não nos apresentamos ainda.
- Sou Nielad e moro a duas quadras daqui.
- Prazer Nielad. Chamo-me Gilfred.
- Porque eu nunca vi sua casa aqui? E olha que moro nesses arredores a um tempinho.
- A resposta é bem simples amigo. Minha casa sempre esteve aqui nesse lugar, o problema é que você não queria vê-la.
- Como assim? Todas as casas podem ser vistas, isso não é verdade.
- Essa é diferente, ela se mostra para quem quer vê-la, não é como as casas comuns que aparecem para todo mundo, esta é muito refinada, e fale baixo, pois ela pode ficar ofendida com o comentário. Sabe como é, ela é um pouco orgulhosa.
- AH, não me diga que ela também é viva e fica andando por aí.
- Nossa, estamos começando a nos entender. É isso mesmo, ela tem vida, mas não anda, como lhe disse ela só se esconde mesmo, e só se mostra para quem quer vir aqui.
- Mas eu não queria vir para cá, eu simplesmente brincava com minha bola e ela caiu no seu quintal.
- Nossa! Você entrou numa enrascada das grandes.
- Porque?
- Lá é um reino imenso, e com muitas criaturas más. São de todos os tamanhos e de todos os jeitos.
- Não acredito. E estou indo para lá agora mesmo pegar minha bola.
- Tudo bem! É só seguir em frente e abrir a porta.
- Fácil mesmo...
...................................................................................................................................................
- Falei para você ter cuidado, lá é um lugar perigoso.
- Socorro! Há um dragão correndo atrás de mim.
- Agora é tarde meu amiguinho, te avisei e nada posso fazer, ele tem vontade própria, não interfiro na vontade de ninguém.
- Por favor, me ajude, ele está cuspindo fogo e pegou na minha blusa, vou morrer queimado.
- Ah, não vai não amigo, pois vaso ruim não quebra fácil e além do mais a porta de saída está perto de você, é só correr e sair, o dragão não sai de minha casa, pode ficar tranqüilo.
- Obrigado... Estou conseguindo...Consegui.


-Nossa! Que menino estranho. Imagina, falar que minha casa não é real. Ele que é louco!

Fim

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Soneto

A minha alma perdi n’alguma esquina,
Dessas inexpressivas, onde andei
Tão sujo e decadente. Não tem lei
Aqui no beco da fadada sina.

Ah! Só sinto cansaço, só cansaço
Nessa vida torpor de vagabundo,
Que de tanto cuspir matou seu mundo,
Terra podre, que morta, jaz no espaço.

Sou cemitério por inteiro, dentro
De mim só tem jazigos desolados.
Por cima deles, corpos enforcados.

Zumbis sarnentos nessa noite enfrento.
Minhas covas estão cheias de lama,
Tudo escuro e não vejo minha chama.

Aleister Crowley

Era um Mago, Enforcado, Louco ou Torre?
Místico dum Telêmico furor
Co’o Diabo no Carro o Mundo corre,
Como Pã num imenso afã e vigor.

“Aiwas” revela a nova lei, “Thelema”
No novo mundo será imensa e forte.
Em mar de caos o Mestre “Therion” rema.
A Roda gira e traz o Sol e a Morte.

Imperador dos Loucos e da Lua
“Perdurabo” era pura Estrela e luz
Na pesada magia que era a sua.

À Besta, simplesmente se reduz,
E diz-se Apocalipse da nov’era.
Sou Mago, Louco, Imperador?......Quem dera.

Wolfheart

Sinto uma alma de lobo me rasgando
A humana pele frágil que me abriga.
Selvagem, eu não tenho mais comando
Com essa besta que comigo briga.

Meus olhos escarlates brilham forte
Na negra escuridão do mundo algoz.
Junto comigo vem à amiga Morte,
Nosso uivo é nossa mais selvagem voz.

Corro num grande afã pela cidade
À procura de minha Mãe querida
Nesse mundo de imunda e vil fealdade.

Vejo-a brilhar no céu, senil e ab’tida
A reinar solitária e tão imponente.
Num selvagem furor vivo contente.