sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O duelo

Eu estava dormindo quando ouvi um forte estrondo. Abri a janela de meu quarto e deparei-me com uma noite chuvosa e fria. No mesmo instante senti um calafrio intenso, quando dei por mim, ele estava na minha frente. Era um imenso dragão negro e olhava-me no fundo de meus olhos.

Impotente, ante aquele olhar penetrante que parecia me sugar por inteiro, eu não podia fazer nada, e fiquei ali, petrificado, completamente imóvel. Meu corpo não obedecia, queria fugir dali, ir para bem longe e me esconder num local seguro.

Por muito tempo, não sei dizer quanto ao certo, aquele ser monstruoso ficou somente me observando, sem mais nada fazer, e eu, ali, impotente, como que hipnotizado e sem mexer um dedo.

Então, quando eu menos esperava, ele falou, e sua voz era grave, quase gutural.

-Nos encontramos novamente. Fico feliz em vê-lo!

Sua voz era penetrante, e cada palavra parecia fazer com que eu fosse jogado numa jaula fria. O frio que emanava daquele olhar era intenso, mas era um frio que congelava por dentro.

-Você está mudo. Não diz nenhuma palavra e nem se mexe. Cadê aquele poderoso elfo de outrora que quase me destruiu?

Eu estava todo encolhido dentro de mim, e minha essência estava fraca. Não podia sentir aquele poder que sinto internamente, e isto me entristecia mais ainda. Aonde foi parar todo aquele ânimo de antigamente e também à vontade de lutar?

-Posso ver tudo o que se passa dentro de ti, estás reduzido às sombras do que era. É uma pena, vim aqui acreditando que iria encontrar aquele meu inimigo mortal, mas não vejo mais que um verme agora.

Como cada palavra daquela doía, e eu, ficava lá, com a cabeça baixa escutando passivamente todo o escárnio daquele ser.

-Sabe de uma coisa? Vou-me embora. Vim à procura de um guerreiro e não de uma pessoa que se deixa abater por futilidades, chorando por amores passados e por amigos que se foram. Vou deixá-lo aí, aos prantos em meio a sua dor. Adeus.

Seus olhos foram lentamente se afastando, e pude vislumbrar com imenso pavor o tamanho daquela criatura. Ele era imenso, nunca ia conseguir destruir um ser daqueles. Então, caí, e fiquei lá no chão do meu quarto, quase que a noite toda aos prantos, antes de adormecer.

Só depois de muito tempo consegui me levantar e fui pra minha cama dormir. Não sei quanto tempo demorei a acordar, mas foram longos e intensos os pesadelos que tive, e em todos eles o dragão estava a humilhar-me e eu ficava encolhido chorando feito uma criança.

Estava anoitecendo quando levantei. Meu corpo estava todo dolorido e a janela continuava aberta. Eu ainda fiquei algumas horas olhando o lugar aonde aquela imensa serpente havia ficado na noite anterior, pensando em todas as palavras que aquele dragão me disse. Quando me dei conta, Ainor, meu cavalo alado, esta na minha frente.

-Eirion, meu amigo, o que aconteceu contigo? Que estado é este em que te encontro?

-Ó nobre Ainor! Fui vencido por aquele poderoso dragão negro. As palavras dele são como a lâmina de uma espada e cortam profundamente.

-Não estou vendo sua força, e cadê sua vestimenta élfica, seu majestoso porte?

-Faz tempo que sou somente humano meu amigo. Estou estagnado e aquela serpente gigante me venceu porque eu já não tinha mais forças há muito tempo. Na verdade, ele não me derrotou, a solidão acabou comigo.

-Você tem que ser forte e se reerguer meu amigo. Somente você pode derrotá-lo agora, mais ninguém pode fazer isto.

-Não posso mais. Vivo meus dias à espera da morte somente, não tenho forças para mais nada, e, além do mais, não possuo aquela poderosa espada com a qual o derrotei anteriormente.

-Mas, lembre-se que foi você quem a construiu, e pode muito bem fazer outra, até melhor que aquela.

-Impossível, minha forja deve estar estagnada também. Faz muito tempo que não vou àquele lugar.

-Acho que não me resta outra coisa a fazer, a não ser voltar para meu lugar de origem. Adeus Eirion, que pena eu não poder lutar mais ao seu lado.

-Adeus Ainor! Ficarei aqui neste quarto esperando minha hora.



Logo depois fui ao banheiro lavar o rosto, e tal foi o meu espanto ao vê-lo refletido no espelho. E, de fato, eu estava com a face muito abatida, mas ainda existia um brilho e pude contemplar novamente minha aparência élfica, e, correndo fui ao meu quarto, escolhi um cd e o pus a tocar. Pude sentir novamente aquela atmosfera mágica e envolvente das músicas que outrora me renovaram o espírito. Comecei a dançar e a cantar intensamente. A angústia tinha desaparecido de mim e pude sentir novamente todo o esplendor do passado.

-Agora sim, volto a ser Eirion, e merecedor deste nome. Todas as glórias para mim, o grande Eirion, outrora grande forjador e guerreiro élfico. Está na hora de resgatar tudo o que é meu.

Naquele momento eu usava novamente minhas vestes majestosas, e ao abrir meu armário, lá estava minha velha armadura prateada. Ao colocá-la, o calor das batalhas me incendiou o espírito. Eu não tinha mais a espada, mas sabia que poderia forjar outra.

Passei muito tempo em minha forja trabalhando na construção de uma nova espada. Foi uma tarefa árdua, e certo dia, quando a estava finalizando, num momento de grande euforia e inspiração percebi que um fogo intenso ardia no meu coração.

Meu peito começou a brilhar, e este brilho foi intensificando-se, começou a se afastar um pouco de mim, e pude perceber que dentro dele algo começava a tomar forma. Em poucos instantes eu tinha em minhas mãos um belo rubi. Engastei-o no punho da espada. Estava pronta a nova arma.

Era, de fato, melhor que a anterior. Sua lâmina cortava qualquer tipo de ferro e aço e tinha um brilho avermelhado.

Findada minha obra voltei à minha casa, e lá chegando, deparei-me novamente com Ainor.

-Saudações Eirion! Vejo que está curado.

-Ó Ainor! Fico feliz em revê-lo. Estou forte novamente, meu espírito brilha intensamente em mim.

-Onde você estava? Ficou muito tempo fora.

-Estava em minha forja. Passei muito tempo lá, trabalhando na construção de uma nova espada. Como não tenho a antiga, tive que fazer outra.

-Que brilho intenso tem sua nova espada.

-Engastei nela um rubi com o brilho de meu coração, por isso ela brilha, e esta jóia é quem lhe dá seu imenso poder, e ela me trará a vitória.

-Posso sentir, e desta vez você se superou.

-É verdade meu amigo. Tenho uma arma poderosa para enfrentar meu inimigo, e desta vez vencerei a batalha, este é meu destino.

-Fico feliz que tenha recobrado suas forças.

-Eu também. Havia me esquecido de todo o poder que emanava dentro de mim.



Dei um forte abraço em Ainor. Era gratificante ter meu grande amigo de volta, senti que minha chama nunca se apagou por interia.

-Vamos Ainor! É chegada a hora de adentrarmos o covil daquele ser e derrotá-lo!



Era noite, e voávamos velozes pelo céu. De lá de cima contemplávamos as luzes da cidade e o silencio das florestas. Viajamos durante horas até chegar ao covil do monstro, que ficava numa caverna rodeada por uma cadeia de montanhas.

-Este é meu momento Ainor. Vou entrar na caverna, aguarde-me aqui, irei ao encontro de meu destino.

-Esperarei. Desejo-te sucesso meu amigo.



Adentrei aquele obscuro reino, aonde imperava a escuridão. Fui guiado pela lâmina de minha espada, que tinha o brilho mais forte que o de uma lanterna. Caminhei até o centro da caverna, que era enorme, e lá estava ele, deitado em cima de seu imenso tesouro.

-Vamos! Acorde. Estou aqui para lutar com você novamente.

Lentamente o dragão abriu os olhos e pôs-se a me observar. Olhou-me então no fundo dos olhos e pude ver novamente seu olhar abissal, mas, desta vez eu era outra pessoa, não estava mais transtornado como antes, e com todo meu ânimo pus-me a contemplá-lo também e desta vez conseguia sustentar seu olhar sem me perturbar.

-Hum! Vejo que recuperou as forças. Agora sim é um adversário digno.

-Não o temo mais e vim aqui para vingar-me da humilhação pela qual me fez passar. Naquela noite eu não tinha forças e tive medo de você, mas hoje a história é outra, e esta minha nova lâmina colocará fim a sua vida.

-Então venha! Vamos ao combate.



Dei um grito de guerra e fui correndo em sua direção com minha espada nas mãos. Eu estava eufórico e minha vontade de lutar era intensa. Sem muitas dificuldades a enorme serpente desviou de meu primeiro golpe, e ao revidar com sua enorme garra afiada, eu com minha renovada agilidade pude facilmente escapar.

-Estou vendo que está em forma mesmo Eirion.

-Agora tenho uma força e resistência maior do que antes.



Reiniciamos a batalha. Muitos golpes foram desferidos, e num momento de desatenção de minha parte, sua garra feriu minha perna, e por pouco não fui atingido pelo fogo que ele disparou contra mim na seqüência.

Mesmo ferido pude retomar a luta e consegui decepar-lhe uma das garras. A besta deu um grito de dor apavorante e cuspiu fogo novamente contra mim, e ao esquivar-me, vi que sua guarda estava abaixada e cortei-lhe então uma das asas. Sua dor era intensa e seus gritos estavam mais fortes agora.

-Vejo que esta lâmina é poderosa mesmo, cortou uma de minhas asas e de minhas garras com facilidade. O que há nesta espada que a deixa tão forte assim?

-Engastei um rubi que contém o brilho de meu coração. É ele quem lhe dá toda a força.

Ele tentou me atacar de novo com a outra garra, mas fui mais rápido e consegui desferir-lhe um golpe certeiro no coração. Com estrondo ele tombou, e lá estava morto o dragão que durante remotas eras trouxe dor e medo a muitos.



Pus-me a caminhar de volta, quando ouvi uma voz gutural e ao mesmo tempo cristalina.

-Congratulações a ti nobre guerreiro. Você pôs fim àquele terrível monstro e libertou-me de minha prisão.



Quando olhei, pude vislumbrar um grande dragão branco de olhar sereno. Desde o momento que eu entrara naquele lugar não tinha percebido sua presença.

-Onde você estava? Não o vi em momento algum da batalha.

-Eu estava mais atrás, preso por encantamento numa destas bifurcações. Pude ver a batalha inteira de vocês, mas de onde você estava realmente era difícil me ver, e quando você o matou o feitiço se desfez.

-E quem é você?

-Chamam-me Tenjaflar, o dragão branco. E vim parar aqui depois de ter me confrontado com seu inimigo. Ele destruiu minha família, procurei minha vingança, mas fui vencido e aprisionado por meio de seus encantamentos.

-Você agora está livre Tenjaflar. Sua família foi vingada, assim como muitos outros que pereceram nas garras dele.

-Agradeço-lhe profundamente. Você tem agora minha gratidão e amizade. Precisando é só chamar que aparecerei. E como você derrotou nosso inimigo, por direito todo este tesouro lhe pertence.

-É verdade, este tesouro me pertence. Por hora só fecharei esta caverna com um encantamento, depois voltarei aqui para resgatá-lo, e com ele poderei reconstruir muita coisa.



Aquele imenso ser fez-me um comprimento com a cabeça, bateu asas e pôs-se a voar e foi-se pelo céu em direção às florestas profundas.

Quando voltei onde estava Ainor, ele estava aflito e me olhava com espanto.

-Eirion! Quem era aquele dragão branco que saiu voando por aqui?

-Era uma das vítimas de nosso inimigo, foi aprisionado por ele.

-Que bom que está vivo, fico feliz em vê-lo. E este ferimento em sua perna?

-A garra dele me acertou, não consegui esquivar. Vamos embora preciso cuidar deste ferimento, outrora voltaremos aqui para resgatar o tesouro que aquele mostro escondia.



Desta forma montei mais uma vez em Ainor e voamos em direção à minha casa. Ao chegar, nos despedimos, fiz um curativo na ferida que ardia e fui dormir. Fazia muito tempo que eu não dormia tranqüilamente e tinha bons sonhos.