domingo, 5 de setembro de 2010

O homem de vidro

Um homem de vidro atravessa a rua.
Seus passos são incertos e seu olhar vazio.
Seu rosto de vidro, todo remendado!
Quantos tombos ele levou...
As cicatrizes do passado
Estão estampadas no seu rosto.

O homem de vidro
Com seu corpo de vidro,
Remendado dos pés à cabeça,
É o que sobrou de uma peça rara.
Ele não consegue atravessar a rua.
Um desejo negro o atropela.

Um homem de vidro cai outra vez,
E, não se levanta...
Ele espatifou-se...
Só sobraram os pedaços
De um homem de vidro
Espalhados pela rua.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O novo mundo

Em meio a um imenso parque, entre trilhas de cimento que se bifurcam, sigo por uma que me leva a um muro extenso.

Caminho até o fim da trilha. Uma parte do muro está quebrada. Olhando para o que vem além percebo um novo mundo. Atravesso aquele estranho portal embelezado por finas camadas de musgo e algumas pichações.

O novo mundo é imenso, exótico, belo e assustador, parecido com aqueles mundos das histórias fantásticas, mas é tão real quanto aquele que ficou para trás. Na verdade é o mesmo mundo, só que o enxergo em sua plenitude por conseguir ver aquilo que estava ocultado. Posso sentir a simbiose das coisas, e, o cheiro da vida em todos os seus pretos, vermelhos, azuis e demais cores elevadas ao infinito me atraem, e sigo devorando com meus sentidos esse mundo de deleite.

Sou possibilidades. O caminho abriu-se por completo. Tudo é possível agora, não há mais diferenças entre o que vejo, sinto e eu. Passo a ser esse caminho que sempre me leva de mim a mim.

Meus sentidos estão ampliados de uma tal forma, que posso tranqüilamente dizer, que incorporo tudo o que está a meu redor. Uma pedra não é mais uma simples pedra, assim como a rua e as árvores não são somente rua e árvore, mas interpenetram meu corpo e minha alma.

Posso ver no exterior tudo o que existe dentro de mim. Vejo-me em toda a minha riqueza. Como sou grande. Eu nunca havia enxergado detalhadamente o meu mundo no mundo, e, na medida que avanço nesse caminho do pequeno eu para o grande eu, nessa simbiose onde tudo se oculta e se revela, reconheço a grande arquitetura do universo com suas imensidades cheias de encantos. Sigo andando em frente, prestando muita atenção nesses meus eus fragmentados que vem e vão, se unem e se separam.



O encontro

Certo dia, numa dessas minhas andanças, cruzei com uma ilustre figura. Era o verdadeiro Cristo, e tão logo nos cumprimentamos, passamos a dialogar.

-Salve, ó verdadeiro Cristo. O que fazes nestes arredores? Faz muito tempo que não o vejo por aqui.

-Saudações Sr. F! Faz um tempinho mesmo que não circulo por estes lados. Minha vida anda meio corrida ultimamente. Ando visitando muitas pessoas e fazendo diversas peregrinações. Mas diga-me, o que você anda fazendo ultimamente?

-Estou escrevendo bastante. O universo tem-me favorecido nestes dias e as idéias fluem intensamente. Quero terminar de escrever meu livro sobre a ascensão do Homem-Deus.

-Hum! Vê-se que está para surgir uma obra e tanto.

-É verdade. Mas ainda bem que te encontrei. Eu estava precisando ter uma conversa contigo para poder finalizar minha obra, pois existem umas lacunas que não foram preenchidas para que a obra venha à luz.

-No que eu poderia ajudá-lo Sr. F?

-Gostaria que você me explicasse no que constitui sua doutrina, pois este é um ponto essencial para desfazermos o grande equívoco que fizeram de sua imagem.

-Excelente questão. O equívoco, Sr. F, está no aspecto fundamental da doutrina cristã, quando dizem que sou o Filho de Deus.

-Certamente.

-Eu nunca fui e nem serei o Filho de Deus.

-Isso quer dizer que em suas peregrinações você nunca se proclamou o Filho de Deus?

-Não, nunca. Aqueles tolos não compreenderam nada e distorceram tudo. Eu sempre disse que neste corpo reside o Homem-Deus.

-Então você está afirmando que alteram seu discurso, criaram um arquétipo seu e distorceram todas as suas palavras?

-Sim, isso mesmo. E para divulgarem estes equívocos criaram o Cristo Podre.

-E no que consiste a doutrina do verdadeiro Cristo?

-Sempre afirmei que, por ser o Homem-Deus, sou toda a extensão do infinito em mim. Não há um pai lá no céu como eles dizem, ou uma mãe na terra. Tudo o que existe é o Homem-Deus, ou seja, a própria Cruz, e isto implica os contrários.

-Como?

-O ser humano, justamente por ser a emanação do Homem-Deus, tem dentro de si dois abismos.

-Dois abismos? Isto seria similar a idéia de Céu e Inferno?

-Certamente, mas não é tão simples assim de explicar. Este Céu e Inferno não são duas extremidades separadas por um imenso vácuo como se supõe. Os dois imbricam-se constantemente e até se confundem.

-Acho que entendi. No momento que há essa união entre eles creio que surge o Homem-Deus no homem. O raciocínio é este mesmo? É esta a idéia?

-Sim, isso mesmo. O Homem-Deus é a união dos dois abismos. O grande se manifesta no pequeno, e aí sim, de fato, acontece o que os cristãos chamam de estado de graça.

-Seria, também, a união do masculino e feminino ancestral?

-De fato é isso mesmo o que ocorre. O homem quando alcança esse estado superior torna-se o Homem-Deus, pois tudo emana dele e vai para o cosmo, e também ocorre o inverso.

-Ele se une com o todo?

-Sim, ele entra numa profunda simbiose com a natureza e passa a sentir tudo o que ocorre no mundo, porque seu corpo se torna uma espécie de canal que passa a ligar o grande ao pequeno.

-E como podemos fazer para alcançar esse estágio superior?

-Desfazendo o equívoco. O homem deve matar a ilusão deixada pelo Cristo Podre. Ele tem que ser extirpado da mente, ou seja, deve-se matar a falsa Cruz.

-E depois que o falso Cristo for destruído, o que fazer?

-O próximo passo é descobrir os contrários dentro de si e tentar harmonizá-los com o universo. Feito isso, o homem passa a sentir como se o universo todo estivesse dentro dele. Este, amigo, é o grande no pequeno, pois não existe uma barreira intransponível entre ele e o universo, mas o contrário, o cosmo a todo instante comunica-se com o homem, mas para que a interação de fato ocorra, o Homem-Deus tem que estar manifestado.

-Agradeço-te meu amigo pelas grandes palavras de sabedoria.

-Que é isso Sr. F, esta nossa conversa foi muito prazerosa, e acredito que estas minhas palavras sejam o suficiente para preencher as lacunas existentes na sua obra.

-Você me explicou a essência do que constitui o Homem-Deus. Agora tenho como finalizar minha obra e poderei mostrar ao mundo as palavras proferidas pelo verdadeiro Cristo.

-Agora Sr. F preciso ir. Desejo-te muito sucesso com o livro.



Em seguida despedimo-nos, ele seguiu seu caminho e eu o meu em direção à minha casa, pois havia um livro para finalizar.











Naquela noite fria

Eu andava por becos escuros e desertos. Tirei meu celular do bolso e olhei as Horas. Era quase meia noite, fazia mais ou menos umas duas horas que eu estava vagando por aí. É um hábito que tenho, gosto de andar a noite e observar a cidade vazia, tendo como companhia somente alguns gatos, cachorros e as luzes das casas e dos postes. Fico imaginando o que as pessoas ficam fazendo essas horas dentro de suas casas, como dormem, entre outras coisas que não desejo mencionar aqui.

O fato é que sou escritor e tenho o hábito de observar tudo e todos para me inspirar para escrever e o cenário da cidade a noite é meu preferido. Acho-a muito atraente e misteriosa. A noite é um mistério por inteiro e tento decifrar o máximo que posso.

Naquela noite eu estava nos arredores de uma avenida com uma subida um tanto íngreme. Eu estava num terreno observando algumas árvores de lá e como são belas e vivas, tão vivas. Parece que elas tentam se comunicar conosco e a gente não percebe. Ah! É tão poético, ver as coisas como se fosse a primeira vez que abríssemos os olhos e as contemplássemos.

Nossa, e como fazia frio naquela noite. Devo ser um louco por andar por ai de madrugada e ainda por cima nesse tempo frio. Posso pegar um resfriado, mas não me importo muito com isso, pois a cidade a noite é muito poética, principalmente quando faz frio, dá um grave tom melancólico.

Até aí está tudo bem. O fato é que algo de interessante aconteceu, uma coisa fora do comum. Posso lhes garantir que o que ocorreu não foi fruto de minha imaginação, coisa que tenho de sobra admito, senão como iria escrever meus contos e poesias? Mas acreditem, esse episódio que vos narrarei a seguir aconteceu de fato.



Como vos havia dito, eu estava num terreno observando algumas árvores e já passava da meia noite, quando por curiosidade passei a observar a avenida deserta. Até aí nada de extraordinário por enquanto, embora eu ache essa imagem tão bela e cheia de poesias. E realmente era nisso que eu estava pensando mesmo, em escrever algo sobre aquela avenida pouco movimentada e quase deserta quando alguém começou a se aproximar de mim.

O fato é que eu não esperava por ele...Na verdade nunca o tinha visto em minha vida. Sempre acreditei nele, mas nunca o tinha visto pessoalmente e posso dizer com toda a sinceridade, achei-o mais humano do que imaginava.

O que via em minha frente era um homem se aproximando e ele tinha uma luminosidade terrível, quase me cegou e demorou um pouco para que eu pudesse me acostumar com seu brilho.

Sabia que ele era muito antigo, mais velho que nosso planeta, mas parecia tão jovem e radiava juventude. Nunca vira alguém tão antigo em minha vida e tão jovial ao mesmo tempo.

Seu andar era magnífico. Parecia que seus pés não tocavam o chão, de tão suave que andava e posso traduzir seu olhar como puro mistério. É difícil entende-lo, pelo fato dele ser o que é. O que incomoda mesmo é que ele não esconde nada, nada mesmo e isso se percebe em seu olhar. Quem um dia vê-lo saberá do que estou falando, pois ele simplesmente é.

-Boa noite meu amigo poeta.

-Boa noite. Eu sabia que um dia te encontraria, mas não esperava ser tão rápido e assim tão de repente.

-Pois é, eu procuro as pessoas quando elas menos esperam, principalmente quando ainda não estão preparadas para me ver.

-Para ser sincero não sei se estou preparado para te ver, mas o estranho é que não o temo.

-E porque deveria me temer?

-Não sei, sempre tive medo de fantasmas e coisas parecidas.

-Realmente você é diferente dos outros, muitos me acham monstruoso. Só que eu esperava mais de você.

-Como assim?

-Achando que eu era um fantasma.

-Eu sei que você não é...

-É verdade, pois como você mesmo disse, eu somente me pareço com um. Mas me responda, você já viu um fantasma em sua vida?

-Não, nunca.

-Está aí a resposta, por isso que você não tem medo de mim. Não sou um fantasma definitivamente e você sabe o que sou.

-Sim, perfeitamente. E posso sentir o estrondo de sua queda.

-Nossa, nem me lembre disso, ainda não superei totalmente. Mas não me arrependo, pois fiz o que fiz num gesto de amor.

-Eu sei disto e se estivesse no seu lugar teria feito a mesma coisa.

-Mas você estava e de certa maneira também é responsável.

-Como assim?

-Você sabe muito bem. Já leu bastante coisa sobre isso.

-Ah! Você deve certamente estar de referindo à bíblia, mitologia grega e Teosofia, creio?

-É, de certa maneira faz sentido. Mas sei que você largou tudo isso há um tempo atrás.

-Sim, é a mais pura verdade o que você me diz, pois eu estava de saco cheio de teoria e mais teoria. Poucas vezes presenciei algo de concreto sobre tudo isso.

-E o que aconteceu?

-Parei de acreditar em céu e inferno, Deus e Diabo, fadas e tudo o mais da maneira convencional de acreditar.

-E como seria isso?

-Eu só acreditava, mas no fundo não sentia a presença de nada disso. Precisei reformular todo o meu conhecimento de crença. Aí, descobri um novo mundo, muito maior.

-Que mundo é esse que você descobriu?

-Para acreditar no sobrenatural, passei a senti-lo. Descobri o magnífico muito das sensações.

-O meio mais difícil, porém mais eficaz de acreditar no “suposto” sobrenatural.



A conversa ficava mais e mais interessante. Eu percebi que aquele homem me fazia enxergar quem eu era. Na verdade, já fazia um certo tempo que me interrogava sobre essas coisas, mas o interessante é que quanto mais conversava com ele, mais forte e confiante eu ficava, ao contrário de muitos que tentariam rezar e afastá-lo de si e depois sairiam por aí falando que viram o demônio, ou algo parecido.

O estranho é que o brilho dele era tão intenso, radiava tanta luz que acabava afastando o frio. Durante toda a nossa conversa eu não senti nenhum pouco de frio me dominar, e sem falar na completa segurança que ele transmitia.

-Sabe, é estranho como muita gente pode pensar que você seja um demônio o algo assim.

-Eu não acho isso muito estranho, pois me mostro a elas como desejam me ver. Se uma pessoa acha que me pareço com um ser monstruoso é assim que ela me verá, pois no fundo é assim que ela se vê.

-Dizem que você é o belo e o feio, o bem e o mal e tudo mais.

-Isso não deixa de ser verdade.

-Pois você reside em mim, é parte de minha essência e senhor de tudo.

-Não diria que sou senhor de tudo, pois não mando no seu destino nem no da humanidade em geral, para isso lhes dei a liberdade.

-Eu consigo sentir perfeitamente o Fogo queimando dentro de mim. Graças a ele sou livre e posso construir meu destino. Mas a liberdade também é dolorosa e é muito difícil escolher um caminho.

-O grande problema da coisa é que o Homem responde pelos seus atos, tudo é fruto de suas ações.

-Mas porque se arriscar tanto assim por nós, a ponto de ser exilado e tudo mais?

-Como te falei, fiz isso tudo por amor, porque o homem precisava crescer e se tornar senhor de seu próprio destino.

-Mas muitos se arruinaram. Você nos deu um poder imenso, talvez até maior do que nós.

-Eu sabia que era perigoso me sacrificar por vocês, mas era algo que tinha que ser feito, e de novo caímos na questão da escolha. Cada indivíduo escolhe o que quer para ele, o problema é o que ele deseja.

-E, qual foi o propósito de seu encontro comigo?

-Queria lhe agradecer por ter me libertado.

-Como assim?

-Você me libertou se libertando, aprendeu a ver o universo de outra maneira e decifrou alguns segredos importantes.

-Nossa, mas ainda tenho tanto a aprender. Não sabia que tinha toda essa capacidade.

-Mas tem, pode acreditar.



Logo em seguida, ele me deu um aceno com a cabeça e foi se afastando até desaparecer por completo. Aquela noite não estava mais fria, o fogo brilhava intensamente dentro de mim e me sentia por inteiro aquecido, caminhando tranqüilamente de volta a minha casa, observando toda a paisagem a minha volta.

















Da morte da Rainha das Fadas e da ascensão do novo Senhor da Terra das Fadas

Um jovem entrou com muita pressa na sala real. A Rainha das Fadas estava sentada em seu trono. O coração da Terra das Fadas estava ali sob a forma de uma esplendida e bela mulher majestosa. Ela era a fonte de vida do reino, tudo se originava dela e para ela retornava, era a um só tempo a criadora, mantenedora e destruidora.

O jovem postou-se em frente da rainha e fez-lhe sua reverência. Parecia estar muito perturbado. Suas mãos tremiam e seu rosto estava pálido. Mas mesmo assim, dava para perceber, olhando-o com um pouco mais de atenção, que ele porta em sua essência um temperamento ao mesmo tempo zombeteiro e nobre. De espírito leve e livre de ambições, seus prazeres são aventurar-se pelas infindáveis regiões da Terra das Fadas.

Ele sempre se comportava de um jeito brincalhão e raras foram as situações que o deixaram sério e atormentado. Parece que uma grande aflição tomou conta dele, e por dentro, agora, estava inseguro e com muito medo.

Pálida saiu sua voz ao falar com a Rainha:

-Saudações minha nobre senhora! Gostaria de pedir sua permissão para falar-lhe.

Com sua voz, sempre serena e cristalina, ela disse:

-Meu nobre Gilfred! A que devo a honra de sua visita?

Depois de uma pequena pausa e de respirar fundo, a voz dele parecia tremer menos, e por fim respondeu:

-Oh! Poderosa Senhora! Tive um pressentimento hoje. Estou com a sensação de que algo muito estranho e forte está por vir, mas, o que sinto é algo assombroso, e parece-me que tudo vai mudar.

Repentinamente um grande tremor teve início e, em seguida, vieram intensas explosões e trovoadas. Como Gilfred sentira, algo estranho ocorreu. Ele foi correndo para a janela ver o que estava acontecendo lá fora e ficou como que paralisado.

Numa fração de segundos tudo mudou. O horizonte estava negro e do céu caia poderosos raios que dilaceravam a terra. Uma enorme fenda se abrira no solo, não muito longe do castelo da Rainha e começava a sugar tudo o que aparecia pela frente.

A Rainha levantou do trono e disse num tom tranqüilo e seguro:

-Nobre Gilfred! É chegado o grande momento.

Transtornado e ainda se recuperando do susto Gilfred disse:

-Como assim, Nobre Rainha, o que está acontecendo afinal?

Com sua voz majestosa ela disse:

-Minha hora chegou Gilfred. O meu tempo aqui está acabando.

E em seguida ela acrescentou:

-Isso que você pressentiu eu já havia sentido durante um longo tempo. Por isso que tudo está sendo destruído, pois uma nova era esta começando e minha última missão é evitar que a Terra das Fadas seja completamente destruída.

Essas palavras soaram como um golpe mortal de espada para Gilfred, que cambaleando e com a voz profundamente trêmula disse:

-Mas como isso? Você é a Rainha, a fonte de tudo o que existe aqui. A sua vontade é lei...Não! Não pode ser possível. Seu poder é imenso e pode acabar com esse cataclismo numa fração de segundos.

Ela olhou profundamente nos olhos de Gilfred e depois de alguns segundos disse:

-Sim! Claro que posso acabar com isso tudo bem rápido, só que para isso, preciso dar minha vida em troca. Não há como barganhar contra o tempo. Não sou imortal, mesmo regendo esta terra. Poderia ter a vida eterna se eu quisesse, mas seria desastroso demais para mim. Nossa terra agora está pedindo por mudanças e devo fazer um último esforço para evitar o pior. Tenho que deixar alguma coisa para meu sucessor.

A Rainha das Fadas depois de pronunciar estas palavras vestiu sua armadura e seu elmo, que são talhados de esmeralda e que refletem um belo brilho, além de emitir um suave som sibilino quando ela se movimenta.

Em seguida pegou sua espada que, no momento, emitia um sinistro brilho negro, sinal que sua vida estava próxima do fim, e seu resistente escudo feito de diamantes e que traz no emblema a figura de um leão.

Gilfred novamente tomou a palavra e surpreso disse:

-Mas este mundo não vai agüentar sem você, e, não há sinal de um novo rei ou rainha que te sucederá.

A Rainha das Fadas transmitiu suas últimas palavras na Terra das Fadas:

-Há um sucessor sim. Quando minha vida se esgotar este mundo o conhecerá. E agora, adeus meu nobre amigo.

Em seguida, ela deu um forte assovio e um poderoso leão apareceu.

A última visão que Gilfred teve da poderosa senhora foi vê-la montar no poderoso animal que começou a correr velozmente em direção ao imenso abismo aberto.

O nobre cavaleiro não se conteve e pôs-se a correr freneticamente na direção da imensa fenda, mas quando chegou já era tarde. A mais bela e poderosa dama da Terra das Fadas já havia sido tragada.

Instantaneamente os tremores e as trovoadas cessaram. Do imenso abismo Gilfred viu a imagem do rosto da Rainha das Fadas, que transmitia um sorriso sereno e feliz, se juntar aos últimos brilhos de sol do crepúsculo e instantaneamente dissipar-se no ar.

Na havia mais o que fazer. A Rainha das Fadas estava morta. Tudo estava acabado.

Gilfred já não tinha mais lágrimas para chorar a perda dela. A única coisa que restava dentro dele era uma imensa sensação de vazio.

Ele ficou ali, imóvel, observando o local da tragédia. Seus olhos, que momentos atrás expressavam medo, agora observavam fixamente, ora aquele grande buraco no chão, e ora contemplavam os primeiros sinais da noite, para onde a rainha havia partido.

Nesse momento ele finalmente compreendeu as últimas palavras dela. Não havia como lutar contra a vontade da Terra das Fadas. Ele sentiu em seu íntimo todo o dinamismo desse mundo que agora proclamava outro ser para compartilhar das graças da criação.

Era preciso outro regente e Gilfred sabia disso, e em seu íntimo ele já sabia quem era o novo representante desse mundo.

Ele observou o horizonte e viu a imensa paisagem que se desdobrava euforicamente a sua frente, e como aquilo tudo era imenso. Conseguia, agora, sentir com toda a intensidade o calor do país do verão e o frio mortal das longínquas montanhas gélidas do norte, um dos lugares mais perigosos do país do inverno.

Agora Gilfred conseguia sentir a vida da Terra das Fadas, e, sentia-a com uma intensidade indescritível. Seria como se ele se transformasse no próprio mundo, mas ainda fosse Gilfred.



Milhares de seres contemplavam essa bela imagem da Rainha, mas estavam confusos e atordoados. Não sabiam o que iria acontecer dali pra frente. Só tinham uma certeza, a de que a grande senhora não estava mais lá, e, uma grande confusão teve início. Alguns se proclamaram senhores daquele reino e começaram a duelar entre si pelo poder. Teve início uma grande confusão.

Para todos os lados ouvia-se o som de espadas tinindo e gritos de guerra, até que uma pessoa apareceu no meio deles, e por um instante todos pararam de lutar e observaram a figura que se aproximava.

Era jovem, alto, de longos cabelos dourados e orelhas pontudas surgiu próximo à multidão. Ele trajava um casaco preto, uma camisa vermelha, calças e botas pretas, além de uma cartola também preta. Na sua mão direita trazia um cetro, cujas pedras preciosas incrustadas nele refletiam um belo brilho multicolorido.

-Saudações meus amigos! Disse ele. Chamo-me Gilfred e sou o sucessor da Rainha das Fadas. Ela me deixou todo este belo reino e a missão de comandá-lo. Tudo, agora, é extensão de mim. Eu crio, harmonizo e destruo. A minha vida é a terra das Fadas e a Terra das Fadas é a minha vida e um não sobrevive sem o outro.

Um ser aproximou-se de Gilfred. Era um elfo de cabelos negros e empunhava uma espada em sua mão. Chamava-se Viker e era um dos seres mais poderosos do reino, que no passado fora um grande inimigo de Gilfred. Ele era um ser arrogante e impetuoso e há algum tempo atrás planejava um meio de destronar a rainha e ser o senhor de todo o reino encantado. Aquela era a sua chance, ele seria o novo rei, ninguém era mais poderoso do que ele e todos o temiam. Com muito despreso, e desdenhando o que Gilfred disse, ele se pronunciou:

-Não me faça rir! Como você pode ser o novo senhor desta terra. Olha para você, parece mais um aventureiro do que um rei.

Tranqüilamente Gilfred falou:

-Não posso negar, meu amigo, que eu não seja um apreciador de aventuras. Já participei de muitas, e, se você quiser, numa próxima ocasião pode me fazer uma visita. Tomamos um delicioso chá e poderei contar como foram as jornadas das quais participei. E, devo mesmo concordar contigo, não tenho mesmo cara de rei, e, como pode perceber também não uso coroa. Prefiro esta cartola que é muito mais confortável, e manto é algo muito comprido e não seria muito bom para mim, poderia tropeçar nele. É, concordo, não sou rei.

O elfo ficou furioso com as palavras de Gilfred e tentou atacá-lo.

-Não acredito nisso! Disse o elfo furioso.

-Não acredita em que meu amigo? Disse Gilfred.

-Eu te ataquei, mas a minha mão recusou-se a golpeá-lo.-Disse o elfo ainda não acreditando no que via e sentia.

-Hum! Meio estranho isso.-Disse Gilfred. Tente com isso!

Ele jogou seu cetro para o elfo.

-O que é isso? Disse o elfo.

-Este é meu cetro. –Falou o novo soberano. Pode usa-lo à vontade contra mim.

-Como?-Disse o elfo. Você me passou sua arma mágica para eu usá-la contra ti. Pois é isso mesmo o que farei. Um tolo nunca deve se proclamar soberano.

Com toda sua fúria e energia o elfo avançou contra Gilfred, mas novamente seu braço recusou-se a golpeá-lo.

-Não pode ser!-Gritou o elfo. De novo não. O meu braço não quer me obedecer.

-É muito estranho isso!-Disse Gilfred. Quando eu faço alguma coisa com o meu braço ele não se recusa a fazer o que eu desejo. Porque você não tenta de novo?

-Eu não posso!-Disse o elfo um tanto desapontado.

-E porque não?-Perguntou o soberano.

-Porque sou tolo!-Exclamou o elfo. Eu pensava que seu poder estava no cetro, mas percebo que não é assim. Eu não consigo te atacar porque percebi que não posso desferir um golpe mortal contra eu mesmo. Não há o que dizer ao contrário, você é o soberano, é a própria Terra das Fadas. Lutar contra você seria o mesmo que lutar contra a Terra das Fadas inteira.

-Nossa! Você foi profundo agora.-Disse Gilfred. Eu nunca tinha pensado nisso, mas gostei da idéia. Agora tenho que ir.

O elfo fez uma reverência ao novo soberano e entregou-lhe o cetro.

Gilfred agradeceu o gesto do elfo, recebeu novamente seu cetro e pôs-se a caminhar em direção às ruínas do castelo da Rainha das Fadas. Lá estava um velho anão. O soberano aproximou-se dele e disse:

-Meu amigo Gliak! Satisfação em vê-lo.

-Nossa Gilfred! Disse Gliak surpreso. Eu não imaginava que você seria o novo senhor deste reino.

-Eu também não! Disse Gilfred. Temos algumas coisinhas para fazer meu amigo. Preciso restaurar muita coisa.

-E precisa construir seu castelo também!-Disse Gliak.

-Isso eu não quero! Disse Gilfred. Castelos são para grandes reis. Temos muitos castelos e reis por aqui. Nestas ruínas quero construir algo diferente, algo parecido com o que vislumbrei com o mundo de lá no momento do grande cataclismo.

-Lembro-me vagamente daquele lugar.-Disse Gliak.

-Eu também! Afirmou Gilfred. Por isso faremos uma viagem, aí eu terei muitas idéias para fazer o que quero.



Alguns dias depois Gilfred e Gliak realmente fizeram a grande viagem para o mundo exterior e ficaram maravilhados com algumas casas que viram lá. Uma delas chamou muito a atenção dos dois. Era uma casa abandonada, mas antiga. Eles colocaram um pouco da energia da Terra das Fadas ali e criaram uma casa dupla.

Como assim dupla, devem estar me perguntando? É isso mesmo. Uma casa com dois lados. É uma espécie de portal que liga o mundo externo à Terra das Fadas, e por dentro é uma pequena parcela de lá e por fora aparentemente é uma casa abandonada, mas quando alguém do mundo de fora quer vê-la em seu novo esplendor, ela se apresenta como Gilfred a reconstruiu e se quiser sempre está convidado a entrar e tomar um delicioso chá com seu anfitrião, e também, é claro, se quiser, conhecer alguns reinos da Terra das Fadas.








quarta-feira, 23 de junho de 2010

Num quarto de hotel



Naquela noite fazia muito frio. Como eu estava longe de minha casa e já passava da meia-noite resolvi me hospedar num hotel.


Como eu não tinha muito dinheiro acabei me hospedando num de quinta categoria mesmo, cuja fachada prenunciava o ar decadente de seu interior.


Por dentro era como eu havia pensado. A recepção era suja e com alguns pisos quebrados. A pintura das paredes e do teto estava descascando, e em alguns cantos dava para ver manchas de bolor e teias de aranha. No centro havia um velho balcão de madeira já dominado pelos cupins e num dos cantos tinham duas poltronas velhas que cheiravam a mofo.


Contrastando com aquela paisagem decadente havia um rapaz bem trajado, com roupas extremamente limpas, atrás do balcão.


-Boa noite! Em que posso ajudá-lo?


-Boa noite! Quero um quarto individual.


-Custa R$ 15,00 a diária.


-Aqui está!


-Ótimo! Quarto número nove. É só virar a esquerda e ir até o fim do corredor. Aqui está a chave.


No corredor a cena era a mesma, com paredes emboloradas, uma teia de aranha aqui e ali e tinta descascando. O quarto em que eu ira passar a noite também não era diferente. Tinha o mesmo ar de decadência e esquecimento do resto do hotel. Ele era bem simples. Havia uma velha cama de madeira, uma mesinha com um abajur, um pequeno rádio relógio, um armário de madeira, também dominado por cupins, e, na janela tinha uma cortina toda esfarrapada.


Apesar da sensação de extremo abandono que aquele lugar me passava, como eu estava cansado me deitei na cama e logo dormi.


No meio da madrugada acordei com uns barulhos que vinham da rua. Levantei da cama, fui até o armário, abri a minha bolsa, peguei uma garrafa de água e bebi. Quando fui deitar novamente, ouvi alguém bater na porta do meu quarto. Fui abri-la, mas, não tinha ninguém e grande foi o meu espanto quando, depois de fechar a porta, vi que tinha uma mulher sentada na cama. Como ela entrou no quarto? Sinceramente não sei, a janela estava fechada e pela porta ela não entrou. Isto é algo que foge da minha compreensão, mas no mundo muita coisa não pode ser explicada e este fato é uma delas.


Toda trajada de preto, ela parecia trazer consigo toda a escuridão da noite, e, olhar para os seus olhos era a mesma coisa que entrar nas profundezas do mar. Era muito bonita, elegante, sua pele tinha o tom do brilho da lua, e seu corpo exalava um intenso perfume misterioso.


Eu nunca tinha visto uma mulher tão atraente e enigmática. Tudo nela era assombro e delicadeza. Ela era a primordial, a Mulher das mulheres, o feminino em toda a sua intensidade. Fiquei atônito. Não conseguia me mexer. Eu estava paralisado.


-Venha!


Foi só isso o que ela disse, mas aquela palavra carregava todo um poder de encantamento. Atendi seu chamado e caminhei até ela.


Ela carregava todo um mundo obscuro consigo. Ao beijá-la senti-me imenso. Agora não éramos homem e mulher, partilhávamos do infinito, íamos além de nossa união corporal.


Naquele momento éramos somente vida e nada mais. Aquela sensação foi muito estranha para mim. Era como se ela fosse um abismo e eu me jogasse lá dentro, mas sem ser tragado e perder minha consciência. Pelo contrário, minha consciência juntou-se a dela, éramos ao mesmo tempo um e dois. Nossos corpos se interpenetravam e formávamos o infinito...


Novamente adormeci e quando acordei já era dia. Estava uma manhã ensolarada e ao olhar para o lado tal foi meu espanto ao ver que a mulher não estava mais lá. Não havia nenhum indício físico de sua presença, pois a porta estava trancada e a chave estava por dentro do quarto. Mas isto não importa, pois nem tudo precisa ter uma existência física para ser real.


Então saí do quarto, fechei a porta, entreguei a chave ao atendente e fui andando pela rua à procura de um café...











sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O duelo

Eu estava dormindo quando ouvi um forte estrondo. Abri a janela de meu quarto e deparei-me com uma noite chuvosa e fria. No mesmo instante senti um calafrio intenso, quando dei por mim, ele estava na minha frente. Era um imenso dragão negro e olhava-me no fundo de meus olhos.

Impotente, ante aquele olhar penetrante que parecia me sugar por inteiro, eu não podia fazer nada, e fiquei ali, petrificado, completamente imóvel. Meu corpo não obedecia, queria fugir dali, ir para bem longe e me esconder num local seguro.

Por muito tempo, não sei dizer quanto ao certo, aquele ser monstruoso ficou somente me observando, sem mais nada fazer, e eu, ali, impotente, como que hipnotizado e sem mexer um dedo.

Então, quando eu menos esperava, ele falou, e sua voz era grave, quase gutural.

-Nos encontramos novamente. Fico feliz em vê-lo!

Sua voz era penetrante, e cada palavra parecia fazer com que eu fosse jogado numa jaula fria. O frio que emanava daquele olhar era intenso, mas era um frio que congelava por dentro.

-Você está mudo. Não diz nenhuma palavra e nem se mexe. Cadê aquele poderoso elfo de outrora que quase me destruiu?

Eu estava todo encolhido dentro de mim, e minha essência estava fraca. Não podia sentir aquele poder que sinto internamente, e isto me entristecia mais ainda. Aonde foi parar todo aquele ânimo de antigamente e também à vontade de lutar?

-Posso ver tudo o que se passa dentro de ti, estás reduzido às sombras do que era. É uma pena, vim aqui acreditando que iria encontrar aquele meu inimigo mortal, mas não vejo mais que um verme agora.

Como cada palavra daquela doía, e eu, ficava lá, com a cabeça baixa escutando passivamente todo o escárnio daquele ser.

-Sabe de uma coisa? Vou-me embora. Vim à procura de um guerreiro e não de uma pessoa que se deixa abater por futilidades, chorando por amores passados e por amigos que se foram. Vou deixá-lo aí, aos prantos em meio a sua dor. Adeus.

Seus olhos foram lentamente se afastando, e pude vislumbrar com imenso pavor o tamanho daquela criatura. Ele era imenso, nunca ia conseguir destruir um ser daqueles. Então, caí, e fiquei lá no chão do meu quarto, quase que a noite toda aos prantos, antes de adormecer.

Só depois de muito tempo consegui me levantar e fui pra minha cama dormir. Não sei quanto tempo demorei a acordar, mas foram longos e intensos os pesadelos que tive, e em todos eles o dragão estava a humilhar-me e eu ficava encolhido chorando feito uma criança.

Estava anoitecendo quando levantei. Meu corpo estava todo dolorido e a janela continuava aberta. Eu ainda fiquei algumas horas olhando o lugar aonde aquela imensa serpente havia ficado na noite anterior, pensando em todas as palavras que aquele dragão me disse. Quando me dei conta, Ainor, meu cavalo alado, esta na minha frente.

-Eirion, meu amigo, o que aconteceu contigo? Que estado é este em que te encontro?

-Ó nobre Ainor! Fui vencido por aquele poderoso dragão negro. As palavras dele são como a lâmina de uma espada e cortam profundamente.

-Não estou vendo sua força, e cadê sua vestimenta élfica, seu majestoso porte?

-Faz tempo que sou somente humano meu amigo. Estou estagnado e aquela serpente gigante me venceu porque eu já não tinha mais forças há muito tempo. Na verdade, ele não me derrotou, a solidão acabou comigo.

-Você tem que ser forte e se reerguer meu amigo. Somente você pode derrotá-lo agora, mais ninguém pode fazer isto.

-Não posso mais. Vivo meus dias à espera da morte somente, não tenho forças para mais nada, e, além do mais, não possuo aquela poderosa espada com a qual o derrotei anteriormente.

-Mas, lembre-se que foi você quem a construiu, e pode muito bem fazer outra, até melhor que aquela.

-Impossível, minha forja deve estar estagnada também. Faz muito tempo que não vou àquele lugar.

-Acho que não me resta outra coisa a fazer, a não ser voltar para meu lugar de origem. Adeus Eirion, que pena eu não poder lutar mais ao seu lado.

-Adeus Ainor! Ficarei aqui neste quarto esperando minha hora.



Logo depois fui ao banheiro lavar o rosto, e tal foi o meu espanto ao vê-lo refletido no espelho. E, de fato, eu estava com a face muito abatida, mas ainda existia um brilho e pude contemplar novamente minha aparência élfica, e, correndo fui ao meu quarto, escolhi um cd e o pus a tocar. Pude sentir novamente aquela atmosfera mágica e envolvente das músicas que outrora me renovaram o espírito. Comecei a dançar e a cantar intensamente. A angústia tinha desaparecido de mim e pude sentir novamente todo o esplendor do passado.

-Agora sim, volto a ser Eirion, e merecedor deste nome. Todas as glórias para mim, o grande Eirion, outrora grande forjador e guerreiro élfico. Está na hora de resgatar tudo o que é meu.

Naquele momento eu usava novamente minhas vestes majestosas, e ao abrir meu armário, lá estava minha velha armadura prateada. Ao colocá-la, o calor das batalhas me incendiou o espírito. Eu não tinha mais a espada, mas sabia que poderia forjar outra.

Passei muito tempo em minha forja trabalhando na construção de uma nova espada. Foi uma tarefa árdua, e certo dia, quando a estava finalizando, num momento de grande euforia e inspiração percebi que um fogo intenso ardia no meu coração.

Meu peito começou a brilhar, e este brilho foi intensificando-se, começou a se afastar um pouco de mim, e pude perceber que dentro dele algo começava a tomar forma. Em poucos instantes eu tinha em minhas mãos um belo rubi. Engastei-o no punho da espada. Estava pronta a nova arma.

Era, de fato, melhor que a anterior. Sua lâmina cortava qualquer tipo de ferro e aço e tinha um brilho avermelhado.

Findada minha obra voltei à minha casa, e lá chegando, deparei-me novamente com Ainor.

-Saudações Eirion! Vejo que está curado.

-Ó Ainor! Fico feliz em revê-lo. Estou forte novamente, meu espírito brilha intensamente em mim.

-Onde você estava? Ficou muito tempo fora.

-Estava em minha forja. Passei muito tempo lá, trabalhando na construção de uma nova espada. Como não tenho a antiga, tive que fazer outra.

-Que brilho intenso tem sua nova espada.

-Engastei nela um rubi com o brilho de meu coração, por isso ela brilha, e esta jóia é quem lhe dá seu imenso poder, e ela me trará a vitória.

-Posso sentir, e desta vez você se superou.

-É verdade meu amigo. Tenho uma arma poderosa para enfrentar meu inimigo, e desta vez vencerei a batalha, este é meu destino.

-Fico feliz que tenha recobrado suas forças.

-Eu também. Havia me esquecido de todo o poder que emanava dentro de mim.



Dei um forte abraço em Ainor. Era gratificante ter meu grande amigo de volta, senti que minha chama nunca se apagou por interia.

-Vamos Ainor! É chegada a hora de adentrarmos o covil daquele ser e derrotá-lo!



Era noite, e voávamos velozes pelo céu. De lá de cima contemplávamos as luzes da cidade e o silencio das florestas. Viajamos durante horas até chegar ao covil do monstro, que ficava numa caverna rodeada por uma cadeia de montanhas.

-Este é meu momento Ainor. Vou entrar na caverna, aguarde-me aqui, irei ao encontro de meu destino.

-Esperarei. Desejo-te sucesso meu amigo.



Adentrei aquele obscuro reino, aonde imperava a escuridão. Fui guiado pela lâmina de minha espada, que tinha o brilho mais forte que o de uma lanterna. Caminhei até o centro da caverna, que era enorme, e lá estava ele, deitado em cima de seu imenso tesouro.

-Vamos! Acorde. Estou aqui para lutar com você novamente.

Lentamente o dragão abriu os olhos e pôs-se a me observar. Olhou-me então no fundo dos olhos e pude ver novamente seu olhar abissal, mas, desta vez eu era outra pessoa, não estava mais transtornado como antes, e com todo meu ânimo pus-me a contemplá-lo também e desta vez conseguia sustentar seu olhar sem me perturbar.

-Hum! Vejo que recuperou as forças. Agora sim é um adversário digno.

-Não o temo mais e vim aqui para vingar-me da humilhação pela qual me fez passar. Naquela noite eu não tinha forças e tive medo de você, mas hoje a história é outra, e esta minha nova lâmina colocará fim a sua vida.

-Então venha! Vamos ao combate.



Dei um grito de guerra e fui correndo em sua direção com minha espada nas mãos. Eu estava eufórico e minha vontade de lutar era intensa. Sem muitas dificuldades a enorme serpente desviou de meu primeiro golpe, e ao revidar com sua enorme garra afiada, eu com minha renovada agilidade pude facilmente escapar.

-Estou vendo que está em forma mesmo Eirion.

-Agora tenho uma força e resistência maior do que antes.



Reiniciamos a batalha. Muitos golpes foram desferidos, e num momento de desatenção de minha parte, sua garra feriu minha perna, e por pouco não fui atingido pelo fogo que ele disparou contra mim na seqüência.

Mesmo ferido pude retomar a luta e consegui decepar-lhe uma das garras. A besta deu um grito de dor apavorante e cuspiu fogo novamente contra mim, e ao esquivar-me, vi que sua guarda estava abaixada e cortei-lhe então uma das asas. Sua dor era intensa e seus gritos estavam mais fortes agora.

-Vejo que esta lâmina é poderosa mesmo, cortou uma de minhas asas e de minhas garras com facilidade. O que há nesta espada que a deixa tão forte assim?

-Engastei um rubi que contém o brilho de meu coração. É ele quem lhe dá toda a força.

Ele tentou me atacar de novo com a outra garra, mas fui mais rápido e consegui desferir-lhe um golpe certeiro no coração. Com estrondo ele tombou, e lá estava morto o dragão que durante remotas eras trouxe dor e medo a muitos.



Pus-me a caminhar de volta, quando ouvi uma voz gutural e ao mesmo tempo cristalina.

-Congratulações a ti nobre guerreiro. Você pôs fim àquele terrível monstro e libertou-me de minha prisão.



Quando olhei, pude vislumbrar um grande dragão branco de olhar sereno. Desde o momento que eu entrara naquele lugar não tinha percebido sua presença.

-Onde você estava? Não o vi em momento algum da batalha.

-Eu estava mais atrás, preso por encantamento numa destas bifurcações. Pude ver a batalha inteira de vocês, mas de onde você estava realmente era difícil me ver, e quando você o matou o feitiço se desfez.

-E quem é você?

-Chamam-me Tenjaflar, o dragão branco. E vim parar aqui depois de ter me confrontado com seu inimigo. Ele destruiu minha família, procurei minha vingança, mas fui vencido e aprisionado por meio de seus encantamentos.

-Você agora está livre Tenjaflar. Sua família foi vingada, assim como muitos outros que pereceram nas garras dele.

-Agradeço-lhe profundamente. Você tem agora minha gratidão e amizade. Precisando é só chamar que aparecerei. E como você derrotou nosso inimigo, por direito todo este tesouro lhe pertence.

-É verdade, este tesouro me pertence. Por hora só fecharei esta caverna com um encantamento, depois voltarei aqui para resgatá-lo, e com ele poderei reconstruir muita coisa.



Aquele imenso ser fez-me um comprimento com a cabeça, bateu asas e pôs-se a voar e foi-se pelo céu em direção às florestas profundas.

Quando voltei onde estava Ainor, ele estava aflito e me olhava com espanto.

-Eirion! Quem era aquele dragão branco que saiu voando por aqui?

-Era uma das vítimas de nosso inimigo, foi aprisionado por ele.

-Que bom que está vivo, fico feliz em vê-lo. E este ferimento em sua perna?

-A garra dele me acertou, não consegui esquivar. Vamos embora preciso cuidar deste ferimento, outrora voltaremos aqui para resgatar o tesouro que aquele mostro escondia.



Desta forma montei mais uma vez em Ainor e voamos em direção à minha casa. Ao chegar, nos despedimos, fiz um curativo na ferida que ardia e fui dormir. Fazia muito tempo que eu não dormia tranqüilamente e tinha bons sonhos.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Cerimônia

Inúmeras velas negras iluminavam o grande templo consagrado ao Homem-Deus.

Em meio a uma multidão de seres encapuzados encontrava-se uma bela virgem nua. Assustada ela clamava por misericórdia e piedade. Nisso, uma das figuras ali presente, que se diferenciava dos outros por portar um grande rubi no pescoço, aproximou-se da jovem e disse as seguintes palavras:

-Ó irmãos! Se aproximem desta figura ridícula que vive se vangloriando de sua pureza e castidade, e façam sua grande obra diabólica.

Os homens tiraram seus mantos, e nus, começaram a dançar freneticamente ao redor da vítima.

O Grão-Mestre levantou os braços e sorrindo disse:

-Irmãs! Venham participar do êxtase divino!

Outras figuras encapuzadas então apareceram, jogaram seus trajes ao chão e revelaram esplêndidos corpos femininos nus e em seguida entraram na dança com os homens em êxtase orgíaco.

Nesse meio tempo, aparecera outra figura encapuzada carregando um cálice em suas mãos, e ao se aproximar da incrível dança o Sumo Sacerdote disse:

-Irmãos! Despejem o néctar sagrado nesta taça. Irmãs continuem dançando ao redor da virgem e usufruam o prazer propiciado pelo ente supremo.



Feito o trabalho, o Grão-Mestre apoderou-se do cálice e aproximando-se da inocente figura aflita disse:

-Vamos! Ó filha da perdição, beba este precioso líquido e nos revele seus desejos obscuros.

-Não! Por favor, não faça isso, tenha piedade de mim. Diz soluçando a aflita donzela.

O Sumo Sacerdote dá uma intensa gargalhada e olha fundo nos olhos da mulher.

-Vamos! Beba. Não acredito em suas palavras. Não seja uma leviana dissimulada e aprecie a comunhão com o sagrado.

Não há como fugir dos olhos que a tudo revelam. Um desejo apoderou-se da mulher que num frêmito de êxtase pegou o cálice e pôs-se a beber avidamente o que estava dentro dele.



O círculo novamente foi montado, e no centro dele, estavam o Grão-Mestre e a virgem.

-Agora! Disse o poderoso mestre, celebremos a comunhão divina.

Os dois então se abraçaram e teve início a cerimônia.