segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Naquela noite fria

Eu andava por becos escuros e desertos. Tirei meu celular do bolso e olhei as Horas. Era quase meia noite, fazia mais ou menos umas duas horas que eu estava vagando por aí. É um hábito que tenho, gosto de andar a noite e observar a cidade vazia, tendo como companhia somente alguns gatos, cachorros e as luzes das casas e dos postes. Fico imaginando o que as pessoas ficam fazendo essas horas dentro de suas casas, como dormem, entre outras coisas que não desejo mencionar aqui.

O fato é que sou escritor e tenho o hábito de observar tudo e todos para me inspirar para escrever e o cenário da cidade a noite é meu preferido. Acho-a muito atraente e misteriosa. A noite é um mistério por inteiro e tento decifrar o máximo que posso.

Naquela noite eu estava nos arredores de uma avenida com uma subida um tanto íngreme. Eu estava num terreno observando algumas árvores de lá e como são belas e vivas, tão vivas. Parece que elas tentam se comunicar conosco e a gente não percebe. Ah! É tão poético, ver as coisas como se fosse a primeira vez que abríssemos os olhos e as contemplássemos.

Nossa, e como fazia frio naquela noite. Devo ser um louco por andar por ai de madrugada e ainda por cima nesse tempo frio. Posso pegar um resfriado, mas não me importo muito com isso, pois a cidade a noite é muito poética, principalmente quando faz frio, dá um grave tom melancólico.

Até aí está tudo bem. O fato é que algo de interessante aconteceu, uma coisa fora do comum. Posso lhes garantir que o que ocorreu não foi fruto de minha imaginação, coisa que tenho de sobra admito, senão como iria escrever meus contos e poesias? Mas acreditem, esse episódio que vos narrarei a seguir aconteceu de fato.



Como vos havia dito, eu estava num terreno observando algumas árvores e já passava da meia noite, quando por curiosidade passei a observar a avenida deserta. Até aí nada de extraordinário por enquanto, embora eu ache essa imagem tão bela e cheia de poesias. E realmente era nisso que eu estava pensando mesmo, em escrever algo sobre aquela avenida pouco movimentada e quase deserta quando alguém começou a se aproximar de mim.

O fato é que eu não esperava por ele...Na verdade nunca o tinha visto em minha vida. Sempre acreditei nele, mas nunca o tinha visto pessoalmente e posso dizer com toda a sinceridade, achei-o mais humano do que imaginava.

O que via em minha frente era um homem se aproximando e ele tinha uma luminosidade terrível, quase me cegou e demorou um pouco para que eu pudesse me acostumar com seu brilho.

Sabia que ele era muito antigo, mais velho que nosso planeta, mas parecia tão jovem e radiava juventude. Nunca vira alguém tão antigo em minha vida e tão jovial ao mesmo tempo.

Seu andar era magnífico. Parecia que seus pés não tocavam o chão, de tão suave que andava e posso traduzir seu olhar como puro mistério. É difícil entende-lo, pelo fato dele ser o que é. O que incomoda mesmo é que ele não esconde nada, nada mesmo e isso se percebe em seu olhar. Quem um dia vê-lo saberá do que estou falando, pois ele simplesmente é.

-Boa noite meu amigo poeta.

-Boa noite. Eu sabia que um dia te encontraria, mas não esperava ser tão rápido e assim tão de repente.

-Pois é, eu procuro as pessoas quando elas menos esperam, principalmente quando ainda não estão preparadas para me ver.

-Para ser sincero não sei se estou preparado para te ver, mas o estranho é que não o temo.

-E porque deveria me temer?

-Não sei, sempre tive medo de fantasmas e coisas parecidas.

-Realmente você é diferente dos outros, muitos me acham monstruoso. Só que eu esperava mais de você.

-Como assim?

-Achando que eu era um fantasma.

-Eu sei que você não é...

-É verdade, pois como você mesmo disse, eu somente me pareço com um. Mas me responda, você já viu um fantasma em sua vida?

-Não, nunca.

-Está aí a resposta, por isso que você não tem medo de mim. Não sou um fantasma definitivamente e você sabe o que sou.

-Sim, perfeitamente. E posso sentir o estrondo de sua queda.

-Nossa, nem me lembre disso, ainda não superei totalmente. Mas não me arrependo, pois fiz o que fiz num gesto de amor.

-Eu sei disto e se estivesse no seu lugar teria feito a mesma coisa.

-Mas você estava e de certa maneira também é responsável.

-Como assim?

-Você sabe muito bem. Já leu bastante coisa sobre isso.

-Ah! Você deve certamente estar de referindo à bíblia, mitologia grega e Teosofia, creio?

-É, de certa maneira faz sentido. Mas sei que você largou tudo isso há um tempo atrás.

-Sim, é a mais pura verdade o que você me diz, pois eu estava de saco cheio de teoria e mais teoria. Poucas vezes presenciei algo de concreto sobre tudo isso.

-E o que aconteceu?

-Parei de acreditar em céu e inferno, Deus e Diabo, fadas e tudo o mais da maneira convencional de acreditar.

-E como seria isso?

-Eu só acreditava, mas no fundo não sentia a presença de nada disso. Precisei reformular todo o meu conhecimento de crença. Aí, descobri um novo mundo, muito maior.

-Que mundo é esse que você descobriu?

-Para acreditar no sobrenatural, passei a senti-lo. Descobri o magnífico muito das sensações.

-O meio mais difícil, porém mais eficaz de acreditar no “suposto” sobrenatural.



A conversa ficava mais e mais interessante. Eu percebi que aquele homem me fazia enxergar quem eu era. Na verdade, já fazia um certo tempo que me interrogava sobre essas coisas, mas o interessante é que quanto mais conversava com ele, mais forte e confiante eu ficava, ao contrário de muitos que tentariam rezar e afastá-lo de si e depois sairiam por aí falando que viram o demônio, ou algo parecido.

O estranho é que o brilho dele era tão intenso, radiava tanta luz que acabava afastando o frio. Durante toda a nossa conversa eu não senti nenhum pouco de frio me dominar, e sem falar na completa segurança que ele transmitia.

-Sabe, é estranho como muita gente pode pensar que você seja um demônio o algo assim.

-Eu não acho isso muito estranho, pois me mostro a elas como desejam me ver. Se uma pessoa acha que me pareço com um ser monstruoso é assim que ela me verá, pois no fundo é assim que ela se vê.

-Dizem que você é o belo e o feio, o bem e o mal e tudo mais.

-Isso não deixa de ser verdade.

-Pois você reside em mim, é parte de minha essência e senhor de tudo.

-Não diria que sou senhor de tudo, pois não mando no seu destino nem no da humanidade em geral, para isso lhes dei a liberdade.

-Eu consigo sentir perfeitamente o Fogo queimando dentro de mim. Graças a ele sou livre e posso construir meu destino. Mas a liberdade também é dolorosa e é muito difícil escolher um caminho.

-O grande problema da coisa é que o Homem responde pelos seus atos, tudo é fruto de suas ações.

-Mas porque se arriscar tanto assim por nós, a ponto de ser exilado e tudo mais?

-Como te falei, fiz isso tudo por amor, porque o homem precisava crescer e se tornar senhor de seu próprio destino.

-Mas muitos se arruinaram. Você nos deu um poder imenso, talvez até maior do que nós.

-Eu sabia que era perigoso me sacrificar por vocês, mas era algo que tinha que ser feito, e de novo caímos na questão da escolha. Cada indivíduo escolhe o que quer para ele, o problema é o que ele deseja.

-E, qual foi o propósito de seu encontro comigo?

-Queria lhe agradecer por ter me libertado.

-Como assim?

-Você me libertou se libertando, aprendeu a ver o universo de outra maneira e decifrou alguns segredos importantes.

-Nossa, mas ainda tenho tanto a aprender. Não sabia que tinha toda essa capacidade.

-Mas tem, pode acreditar.



Logo em seguida, ele me deu um aceno com a cabeça e foi se afastando até desaparecer por completo. Aquela noite não estava mais fria, o fogo brilhava intensamente dentro de mim e me sentia por inteiro aquecido, caminhando tranqüilamente de volta a minha casa, observando toda a paisagem a minha volta.

















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